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quinta-feira, 21 de março de 2013

UMA MULHER DEPOIS DO AMOR



Uma coisa especial ocorre com a mulher depois que ama. Reparem, estou dizendo:
 Depois que ama. 
Não estou me referindo a ela enquanto está no ato do amor. 
Disto se pode falar também, e a literatura a partir do romantismo e depois o cinema, modernamente, já tentaram de várias formas simular na relação amorosa como a mulher suspira, se contorce, desliza as mãos e entreabre a boca do corpo e da alma.
 Mas, quando digo "depois que ama", refiro-me ao estado de graça que a envolve após o gozo ou gozos, e que perdura horas e horas e às vezes dias. 
Fica macia que nem gata aos pés do dono.
 Mais que gata, uma pantera doce e íntima. Sua alma fica lisinha, sem qualquer ruga.
 A vida não transcorre mais a contrapelo.
 Desliza... Ela tem vontade de conversar com as flores, com os pássaros, com o vento. Sobretudo, descobre outro ritmo em sua carne.
 É tempo do adágio, de calma e fruição.
 Neste período, aliás, o tempo pára. 
Em estado de graça ela se desinteressa do calendário. O cotidiano já não a oprime.
 É a hora de uma ociosidade amorosa. O fato é que a mulher nessa atmosfera sai do trivial, se angeliza e glorificada, pervaga pela casa.
 O homem, animal desatento, às vezes não se dá conta. 
Em geral, nunca se dá conta. 
Ou dá-se conta nos primeiros minutos após o ato de amor, e depois se deixa levar pela trivialidade, deixando-a solitária em sua felicidade clandestina.
 Na verdade, ela sobrepaira ao tempo, está adejando em torno do amado, que deveria suspender tudo para sentir desenhar-se em torno de si esse balé de ternura.
 Deveria o homem avisar ao escritório: - hoje não posso ir. - estou assistindo à reverberação do amor naquela que amo. 
E como isto se assemelha à floração rara de certas plantas. 
Os amados deveriam interromper tudo: seus negócios e almoços e ficarem ali, prostrados, diante da que celebra nela o que ele ajudou a deslanchar. 
 Já vi algumas mulheres assim. 
Era capaz de pressentir a 115 m que elas estavam levitando de tanto amor que seus amados nelas desataram. Há uma coisa grave na mulher que foi ao clímax de si mesma.
 Que não esteja distraído o parceiro ou parceira.
 Ela tem mesmo um perfume diverso das demais. É um cio diferente... 
É quando a mulher descerra em si o que tem de visceralmente fêmea, tranqüila que, mais que possuída, possui algo que atingiu raramente. 
As outras mulheres percebem isto e a invejam. 
Os machos farejam e se perturbam. É como se estivessem num patamar seguro a se contemplar. 
É quase parecido a quando a mulher vive a maternidade.
 Mas aqui é ainda diferente, porque na maternidade existe algo concreto se movimentando dentro dela. 
Contudo, nessa atmosfera que se segue a uma epifânica sessão de amor, diverso, porque ela está acariciando uma imponderável felicidade. 
 Estou falando de uma coisa que os homens não experimentam assim. 
O gozo masculino é mais pontual e parece se exaurir pouco depois do próprio ato. Só os escolhidos, os de alma feminina, vez por outra, o sentem prolongar-se dentro de si.
 Mas em geral, é diferente. Terminado o ato, uns até rolam para o lado e dormem como se tivessem tirado um fardo do ombro, outros acendem o cigarro, vestem suas ansiedades e voltam ao trabalho. 
É constatável, no entanto, que o homem apaixonado também transmite força, alegria, energia. 
Ele oscila entre Alexandre o Grande e o artista que chegou ao sucesso.! Também brilha, mas é diferente. 
E não é disto que estou falando, senão do gozo feminino que não se esgota no gozo e se derrama em gestos e atenções por horas e dias a fio. 
Freud andou várias vezes errando sobre as mulheres e, por exemplo, colocou equivocadamente aquela questão de que a mulher teria inveja do homem por ser este um animal fálico, etc. 
Convenhamos: inveja têm (e deveriam ter) os homens quando prestam atenção no fenômeno que ocorre com as mulheres, que ao serem amadas atingem o luminoso êxtase de si mesmas, como se tivessem rompido uma escala de medição trivial para lá da barreira dos gemidos e amorosos alaridos.
 É isso: quando a mulher foi amada e bem amada, ela ingressa nessa atmosfera sagrada, cuja descrição se aproxima daquilo que as santas estáticas descreveram. Uma aura de mistérios as envolve. 
E isso, por não ser muito trivial, por não ser nada profano, talvez se assemelhe aos mistérios gososos de que muitos místicos falaram.
 (Affonso Romano de Sant´Anna)

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